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quarta-feira, 30 de maio de 2007

Democracia fora do ar


Quando a Rádio Iguaçu foi tirada do ar, o chargista Pancho - Francisco Camargo -, então secretário de Redação de O Estado do Paraná, deixou sua impressão na página editorial do jornal.
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Rádio Iguaçu, uma estrela brilhante que cortou o céu do som no Paraná. Um cântico que ficou preso nas estrelas do silêncio. Rádio Igua...”
O locutor Nestor Baptista não conseguiu concluir o texto. O relógio marcava dez horas, cinqüenta e cinco minutos e trinta segundos. Naquela manhã do dia 26 de maio de 1977, saia do ar a Rádio Iguaçu, silenciada por um decreto da ditadura.

“A liberdade de expressão é como o ar. A maioria só se dá conta de que
ela existe no momento em que é impedida de se expressar. Ou de respirar.” - essa foi a introdução do jornalista Josias de Souza ao analisar o truculento fechamento da RCTV, emissora de televisão de maior audiência da Venezuela, retirada do ar na madrugada desta última segunda-feira, 28 de maio, pelo governo-companheiro de Hugo Chávez.
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Pontualmente à meia-noite, o locutor Ivan Curi fechava o noticiário da Rádio Iguaçu com uma frase que ficava nos ouvidos da maior audiência do Paraná: “É calmo o início da madrugada em Curitiba. Boa noite!”.

Não estão calmas as madrugadas em Caracas. Nas ruas, cenas de violência e desordem, porque a rede de televisão mais antiga da Venezuela foi tirada do ar.
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O clima de tristeza entre os funcionários varou a noite. No dia anterior, já se conhecia a decisão do general Geisel de sacramentar mais uma degola nos veículos de comunicação de Paulo Pimentel - antes tinha sido a retirada da programação da Rede Globo.

O expediente na Rádio Iguaçu começou às seis horas, num ambiente tenso e com uma incerteza: até que hora a rádio ficaria no ar? Enquanto isso, o locutor Nestor Baptista repetia o texto cortado no ar. Dizia a mensagem: “Rádio Iguaçu, uma estrela brilhante que cortou o céu do som do Paraná. Um cântico que ficou preso nas estrofes do silêncio. Rádio Iguaçu, uma voz que se ergue para celebrar a cidade, sua gente, os estudantes, as pessoas que foram notícias positivas. Rádio Iguaçu, um sonho acalentado com amor, bolando, criando, gerando poesia. Dinamizou um estilo. Estabeleceu características próprias. Nunca se deteve diante da possibilidade de fazer melhor. Muitas vezes seu prefixo valeu-se de cada oportunidade para celebrar o nome de alguém que tivesse realizado um feito notável. Muitas vezes anunciados: ‘Na Curitiba de Ilana Kruger, recordista de duzentos metros nado livre’, ‘na Curitiba do geólogo Riad Salamuni’, ‘na Curitiba de Freire Maia’. Hoje, nosso prefixo está revestido com o crepe cinza da tristeza, da amargura. Hoje anunciamos o silêncio do som Iguaçu”.

Quem ouvia o prefixo ZYE 354, dez quilovates de som de verdade, sabe que as palavras cortadas no ar traduziam a mais pura verdade: desde 1968, quando foi adquirida pelo ex-governador Paulo Pimentel, nunca o Paraná teve uma rádio igual. Basta perguntar: a Rádio Iguaçu é ainda viva na memória de seus contemporâneos.

Há trinta anos, no dia 29 de maio de 1977, a página editorial deste O Estado do Paraná respondia no título - “Porque era Pimentel!” - à pergunta que vinha no texto - “Por quê? Afinal, por quê?” -, e registrava: “Guardai-vos do fermento dos fariseus que é a hipocrisia. Porque nada há oculto que não venha a descobrir-se; e nada há escondido que não venha a saber-se. Por isso as coisas que dissestes nas trevas, serão ditas às claras; e o que falastes ao ouvido no gabinete será apregoado sobre os telhados”.

O Evangelho de São Lucas - capítulo 12, Versículo I - vale no Brasil e vale na Venezuela.
Dante Mendonça [30/05/2007] O Estado do Paraná
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Pitaco do blog: Não me lembro de nenhum discurso do Sarney criticando o fechamento da rádio Iguaçu, você lembra?...

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2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Walter, excelente postagem. Para pessoas mais novas, como eu (e olha que estou na beira dos 32), fatos como esse da Rádio Iguaçu são simplesmente desconhecidos. Imagina os mais novos que eu.
Por isso, a publicação cumpre uma função de utilidade pública, para conhecermos a realidade do nosso país, no momento em que discutimos a falta de democracia na Venezuela. Uma realidade brasileira cada vez mais desbotada.
Parabéns.

Walter Junior do Carmo disse...

Estou fazendo uma pesquisa sobre o fechamento da Tupi e de outras seis emissoras de TV do Brasil em 1980... É a desbotada, mas dura realidade brasileira... Um grande abraço, mestre.